Robusta Amazônico é caso de sucesso na cafeicultura nacional
Pesquisa trouxe nova identidade ao café que agrega valor e promove transformação social na Amazônia.
Trabalhos realizados pela Embrapa e parceiros já demonstraram que Rondônia, devido às suas características de clima, solo e seleção genética, é produtor de cafés robustas ou “arrobustados” – cruzamentos de cafés da espécie canéfora, variedades conilon e robusta, com predominância deste último.
Como o estado é o maior representante da cafeicultura na Amazônia, não demorou muito para que a alcunha de ‘Robusta’ e ‘Amazônia’ fizesse parte do mesmo nome e passassem a representar o grão produzido em Rondônia e em toda a região Amazônica.
Apesar da necessidade de uma identidade para os cafés amazônicos já ter se mostrado apropriada em pesquisas anteriores, o nome Robusta Amazônico só foi divulgado pela primeira vez em 2016, na primeira edição da Revista Cafés de Rondônia, da Embrapa, que trazia esta terminologia em seu editorial. Identidade que foi sendo cada vez mais utilizada também por outras instituições, atores da cadeia do café do estado e do Brasil e pela imprensa.
Mais que um nome tecnicamente apropriado, esta identidade carrega informações e agrega valores. É o reconhecimento de um café que tem características únicas em uma região que não tem igual no mundo. “A Embrapa foi audaciosa ao propor para o setor cafeeiro nacional uma nova identidade para os cafés amazônicos. A aceitação do mercado e os resultados obtidos até o momento demonstram que esta foi uma atitude acertada”, comenta o pesquisador da Embrapa Rondônia, Enrique Alves.
O reconhecimento que a cafeicultura do estado tem conquistado nos últimos anos é reflexo da união de esforços entre produtores, instituições de pesquisa, extensão rural e órgãos governamentais. A cultura e a relação social entre os indivíduos que compõem a cadeira produtiva na Amazônia têm sido um dos diferenciais da região. São homens e mulheres, jovens e experientes, tradicionais e indígenas trabalhando em sintonia para produzir cafés únicos.
Cada um deles, construindo uma cafeicultura que vem se preparando para atender os mais diversos nichos de mercado. “Ainda há muito que fazer e evoluir. Mas, os primeiros passos indicam que a Amazônia está no rumo certo em uma cafeicultura cada vez mais ocupada em se fazer sustentável, inclusiva, eficiente e com qualidade”, aponta Alves.
Essa combinação que agrega toda a cadeia de produção, transformação e o consumidor são as bases da proposta de Indicação Geográfica (IG) Região Matas de Rondônia para Robustas Amazônicos. Esta pode ser a primeira IG de café da espécie canéfora do mundo e, com a chancela da Global Coffee Plataform – GCP, pode também ter destaque mundial ao se tornar a primeira IG de cafés sustentáveis.
Pesquisa e inclusão social
Para o pesquisador Enrique Alves, o acesso à informação e à tecnologia faz parte do contexto mais amplo de inclusão social. O conhecimento tecnológico desenvolvido na área da pesquisa, segundo ele, só faz sentido se for apropriado no campo, servindo de ferramenta para transformações positivas de cenários, geração de renda, melhoria da qualidade de vida e inclusão social. “Acredito no poder de transformação que o uso de tecnologias de produção sustentável pode ter na realidade da agricultura familiar e de comunidades tradicionais amazônicas”, afirma o pesquisador.
A cafeicultura é uma das principais atividades agrícolas geradoras de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS para o Estado de Rondônia. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cultura é conduzida por cerca de 17 mil produtores. São módulos com média de quatro hectares plantados. A base de toda a mão de obra é familiar e o processo de colheita é manual. A exceção fica para um pequeno grupo de produtores, não superior a 30, que possui equipamentos para a colheita semimecanizada.
Adoção de novas práticas de pós-colheita e agregação de valor
Com o uso de tecnologias há uma nova gama de possibilidades na produção de cafés canéforas com qualidade. O trabalho da Embrapa Rondônia tem sido o de motivar e subsidiar as boas práticas no campo. Na pós-colheita, os maiores avanços estão na busca do ponto ideal de colheita e nos processo de secagem lenta e cuidadosa dos frutos para atingir a qualidade desejada.
Além disso, com a evolução dos materiais genéticos e lançamento de clones individuais, os pesquisadores recomendam que, apesar de serem plantados em linhas sucessivas – seis ou mais clones – no momento dos tratos culturais, adubação, poda e, principalmente, durante a colheita e pós-colheita, cada clone receba uma atenção individual (planta) e coletiva (lavoura). “Cada clone tem características genéticas distintas e isso reflete em seu ciclo de maturação, conferindo características sensoriais próprias”, explica o pesquisador da Embrapa Rondônia, Alexsandro Teixeira.
Diversos tipos de secadores solares foram validados e recomendados para a melhoria da qualidade dos frutos em temperatura ideal (35 °C) e de forma sustentável. Estes métodos são adequados para a produção de microlotes ou em pequenas áreas, como acontece em Rondônia. Técnicas mais elaboradas de processamento dos frutos são constantemente desenvolvidas e validadas nos campos experimentais da Embrapa ou áreas de produtores.
Tecnologias validadas pela Embrapa começam a fazer parte da realidade dos cafeicultores. É o caso de fermentações controladas, ou positivas. “O efeito da ação dos microrganismos nos frutos e grãos evidenciam e tornam mais intensas características de acidez e doçura, deixando a bebida bastante equilibrada e interessante aos mais exigentes paladares”, explica o pesquisador Enrique Alves.
Durante o ano de 2019 a equipe da Embrapa e parceiros realizou visitas técnicas à produtores de cafés especiais para incentivar a adoção de novas práticas de pós-colheita. Os cafeicultores que se apropriaram destas técnicas obtiveram cafés premiados e já fazem parte de um processo de transformação do perfil sensorial dos Robustas Amazônicos, deixando-os ainda mais exóticos e diferenciados.
As famílias Bento, de Cacoal, e Lima, de Alto Alegre dos Parecis, por exemplo, fizeram lotes de cafés aplicando o ‘Sprouting Process’ – tipo de fermentação positiva desenvolvida pelo barista Leo Moço – e conseguiram obter bebidas excelentes. “O mesmo café, que no método natural não chegou a 80 pontos, com essa fermentação atingiu mais de 80. Isso significa mais sabor e também valor para nosso produto”, conta o produtor Deigson Bento.
A família Bento ficou em primeiro lugar no Concurso de Qualidade e Sustentabilidade do Café de Rondônia – Concafé, em 2019, na categoria ‘Sustentabilidade’ e em segundo na categoria ‘Qualidade’, mesma colocação que obtiveram na competição nacional, o Coffee of the Year Conilon e Robusta. Já a família Lima ficou entre os dez melhores no concurso estadual e também no nacional.
Outras técnicas de fermentação também fizeram sucesso. A produtora Poliana Perrut, atual campeã do Concafé, utilizou um processo de fermentação dos frutos com adição de leveduras. As características sensoriais desse café surpreenderam pela doçura suave e acidez lática da bebida. Poliana é parceira em pesquisas da Embrapa Rondônia, testou os melhores clones de sua lavoura jovem e diferentes métodos de processamento, como o natural e as fermentações positivas, tipo ‘Sprouting Process’ e em tanques enriquecidos com leveduras.
A escolha rendeu a ela o primeiro lugar no concurso e mais 15 mil reais em máquinas, além de ter as cinco sacas do café campeão vendidas a R$3 mil cada. “Com a premiação quero adquirir máquinas que me ajudem a obter lotes maiores com o mesmo nível de qualidade do café campeão. Também vou fazer cursos para aprender a provar os cafés, pelo menos para experimentar os lotes diferentes que pretendo fazer”, conta a campeã.
O maior diferencial, segundo os produtores, é que a denominação Robustas Amazônicos aliada à qualidade tem agregado mais valor ao produto. Uma saca de café que custaria cerca de 270 reais no mercado comum, ao beneficiarem e comercializarem, eles conseguem mais que o triplo do valor. “As pessoas tem curiosidade em conhecer esse produto da Amazônia”, relata o produtor Dione Bento.
Robustas Amazônicos de origem indígena
Ação que teve início em 2018 pela Embrapa Rondônia, em parceria com a Secretaria de Agricultura de Alta Floresta D’Oeste (Semagri) e apoio da Fundação Nacional do Índio (Funai), com três famílias indígenas, agora, com apoio de parceiros públicos e privados, já atende mais de 130 famílias indígenas de diversas etnias do estado. Projeto de transferência de tecnologias para a produção sustentável de cafés especiais fez surgir um produto que agrega valor devido à sua qualidade intrínseca e sua origem: os Robustas Amazônicos produzidos por indígenas.
Cafeicultores já há mais de 30 anos no estado, os indígenas têm cultura, tradição e níveis de relação com o ambiente muito amplo e diferenciado. A melhoria da qualidade de vida dessas populações, assim como sua inserção social, é questão de política pública e uma demanda antiga desse conjunto de etnias remanescentes no País.
O projeto se baseou no conceito de que a agricultura sustentável pode ajudar a proporcionar o equilíbrio entre a obtenção de recursos financeiros, melhoria de vida nas aldeias e a preservação da floresta.
Já no primeiro ano o projeto rendeu bons frutos. O primeiro microlote produzido pelo indígena Valdir Aruá, da Terra Indígena Rio Branco, conquistou, em 2018, o 2° lugar no Concafé. Estes grãos especiais foram comercializados ao dobro do preço da commodity tradicional. Segundo Valdir Aruá, este resultado abriu as portas para o reconhecimento de toda a comunidade de agricultores indígenas do estado. “Isso mudou a vida da minha família e da comunidade indígena. Estou orgulhoso pelo fruto do nosso trabalho”, afirma.
Estes bons resultados chamaram a atenção do Grupo 3Corações, maior empresa de cafés do Brasil, que abraçou a ação e lançou o Projeto e o concurso de qualidade Tribos, iniciativa que tem como principal objetivo valorizar o trabalho que indígenas produtores de café estão realizando no coração da floresta amazônica e, com isso, dar protagonismo a eles, sempre com foco na produção com qualidade e sustentabilidade.
Pioneiro em Rondônia e no País, o Concurso Tribos, voltado apenas para a população indígena de Rondônia, premiou os melhores cafés produzidos em 2019. Foram inscritas neste concurso 64 amostras e 61% delas foram classificadas como cafés especiais, com notas acima de 80 pontos na metodologia da Associação de Cafés Especiais (SCA). O Concurso Tribos ofereceu R$60 mil em premiação aos cinco primeiros colocados e valores de R$3 mil R$1 mil por saca, de acordo com os critérios de qualidade.
Ainda em 2019, o indígena Wilson Suruí ficou em 3º lugar no concurso estadual de qualidade do café, recebendo mais de R$ 5 mil em premiação, e em 5º lugar na competição nacional. Wilson foi o primeiro indígena premiado nesta competição, ficando para a história.
Os resultados obtidos nestes concursos são frutos de diversos treinamentos de colheita e pós-colheita que foram realizados pela Embrapa Rondônia, em parceria com a Emater-RO, técnicos da Secretaria de Agricultura de Alta Floresta D’Oeste e Cacoal e especialistas do Grupo 3Corações.
Eles estão utilizando tecnologias modernas de processamento dos frutos como, por exemplo, o ‘Sprouting Process’. Nas próximas fases do projeto será dada ênfase também no manejo sustentável do café com foco na conservação do solo, mananciais e florestas e na redução do uso de agroquímicos.
Para Pedro Lima, presidente do Grupo 3Corações, o Projeto Tribos valoriza a diversidade cultural que existe no Brasil. “Como maior empresa de cafés do país, temos a responsabilidade de desenvolver a cadeia produtiva do café e parceiros como a Embrapa são fundamentais para gerar conhecimento e atuar em busca deste desenvolvimento constantemente. Acreditamos que juntos criaremos valor para todos os envolvidos neste projeto sustentável”, conclui Lima.
Mulheres no protagonismo da produção de cafés especiais
As mulheres sempre tiveram importante papel em todas as etapas do setor do café, seja na lavoura, na comercialização, como baristas – especialistas no preparo de bebidas com café –, pesquisadoras, extensionistas e comunicadoras. Apesar de ativas, continuam quase invisíveis no processo, buscando seu espaço.
Em Rondônia, isso começou a mudar a partir de 2017, com a publicação do livro Mulheres dos Cafés no Brasil, pela Aliança Internacional das Mulheres do Café no Brasil – IWCA, Embrapa e parceiros, que incluiu capítulo referente ao estado.
Em 2018 foi realizado pela Embrapa, em parceria com o Governo de Rondônia, o primeiro Encontro das Mulheres do Café no estado, reunindo especialistas mundiais como a indiana Sunalini Menon, embaixadora do café na Ásia, a especialista em cafés especiais Josiana Bernardes e a diretora da IWCA Brasil, Cristiane Yuki Minami. Foi um momento de motivação, empoderamento e troca de experiências e interação com mulheres do setor do café de Rondônia. Os temas tratados foram a produção de cafés especiais, valorização do trabalho feminino no campo e oportunidades de novos mercados.
Já em 2018 uma mulher, Suzi Aparecida, ficou entre os dez melhores cafés em concurso no estado. Em 2019, a mobilização ganhou mais força e resultados. Representantes da IWCAb de Rondônia realizaram dia de campo especial sobre café voltado para as mulheres, participaram ativamente de outros eventos sobre a cultura no estado e passaram a interagir mais e promover trocas de experiências. O resultado de dois anos de mobilização foi surpreendente. Pela primeira vez, uma mulher, Poliana Perrut, foi a campeã do Concurso de Qualidade e Sustentabilidade do Café de Rondônia e outras mulheres ficaram bem classificadas.
O concurso contou também com recorde de mulheres inscritas. Foram cerca de 50, isso são 550% a mais que a edição de 2018, quando apenas nove se inscreveram. “Fruto de mobilização, visibilidade e incentivo à participação mais ativa das mulheres, que sempre atuaram diretamente em todos os setores da cafeicultura”, comenta Poliana Perrut.
A capacidade de empreender não está relacionada ao gênero, condição social, econômica ou raça. “Os resultados obtidos pela cafeicultura de Rondônia nos últimos anos demonstram que barreiras econômicas, culturais e sociais podem ser transpassadas com o uso de tecnologia, força de vontade e boa-fé. Os cafés Robustas Amazônicos são o resultado da mistura do que existe de melhor nessa região: o povo, a floresta e a agricultura”, conclui Alves.
Fonte: Renata Kelly da Silva (MTb 12361/MG) – Embrapa Rondônia