Por que não se deve brincar com a ideia de controle de preços
Eis uma ilustração, passo a passo, das consequências desta medida
O governo ouve as queixas do povo de que o preço da carne subiu. A carne é, sem dúvida, muito importante, sobretudo para a atual geração em crescimento, para as crianças.
Ato contínuo, o governo resolve controlar o preço da carne, reduzindo por decreto o seu valor e, com isso, estabelecendo um preço máximo para esse produto — preço máximo que é, obviamente, inferior ao que seria o preço potencial de mercado.
E então o governo diz: “Estamos certos de que fizemos tudo o que era preciso para permitir aos pobres a compra de todo a carne de que necessitam para alimentarem a si próprios e a seus filhos”.
Mas que de fato irá acontecer?
As consequências não-premeditadas
De um lado, o menor preço da carne provoca o inevitável aumento da demanda pelo produto; pessoas que não tinham meios de comprar carne a um preço mais alto podem agora fazê-lo ao preço reduzido por decreto oficial.
De outro lado, dado que os custos de produção continuam inalterados (pois a realidade econômica é irrevogável), temos que parte dos produtores de carne, aqueles que estão produzindo a custos mais elevados — isto é, os produtores marginais — começam a sofrer prejuízos, dado que o preço final da carne decretado pelo governo é inferior aos custos do produto.
Ou seja, os custos de produção continuam altos, mas as receitas caíram artificialmente, por causa de um decreto do governo.
Este é o ponto crucial de uma economia de mercado. O empreendedor privado não está no ramo para sofrer prejuízo. No cômputo final de suas atividades, ele tem de trer um lucro. Caso contrário, ele simplesmente se retira daquela atividade e muda de ramo.
E, dado que ele não pode ter prejuízos com a carne, ele, de início, simplesmente irá restringir a venda deste produto para o mercado. O normal é que ele passe a vender apenas no mercado negro, a preços maiores que os decretados pelo governo.
É também esperado que ele venda alguns de seus bois e vacas para frigoríficos mais poderosos (o que aumenta a concentração de mercado). Ele pode também, em vez de carne, se concentrar na produção de leite, e vender derivados do produto, como coalhada, manteiga ou queijo.
Ato contínuo, o governo resolve punir a produção destes derivados (aumento impostos sobre estes produtos, por exemplo), como forma de obrigar os produtores a voltarem a se concentrar na produção de carne. Obviamente, esta nova restrição à produção tem o efeito apenas de reduzir ainda mais a criação de gado, bem como agora a oferta destes laticínios, piorando toda a economia.
O início do colapso
A interferência do governo no preço da carne redunda, portanto, em menor quantidade do produto do que a que havia antes, redução que é concomitante a uma ampliação da demanda. As pessoas dispostas a pagar o preço decretado pelo governo não conseguirão comprar carne.
Outro efeito inevitável serão as filas. O enxame de pessoas ansiosas por chegarem em primeiro lugar às lojas fará com que elas sejam obrigadas a esperar do lado de fora. As longas filas diante das lojas são um fenômeno corriqueiro em economias cujo governo decreta preços máximos para as mercadorias que lhe parecem importantes. Em economias socialistas, isso é uma rotina diária.
O caminho para o totalitarismo
Mas quais as outras consequências do controle governamental de preços? O governo se frustra. Pretendia aumentar a satisfação dos consumidores de carne, mas, na verdade, descontentou-os.
Antes de sua interferência, a carne estava cara, mas era possível comprá-la. Agora, a quantidade disponível é insuficiente. Com isso, o consumo total se reduz.
As famílias passam a comer menos carne, e, no extremo, chegam a nem sequer conseguir comer — pois é difícil encontrar o produto nos supermercados.
Em meio a essa escassez, a medida a que o governo recorre em seguida é o racionamento.
Mas racionamento significa tão-somente que algumas pessoas são privilegiadas e conseguem obter carne, enquanto outras ficam sem nenhum. Quem obtém e quem não obtém passa a ser algo determinado de forma totalmente arbitrária pelo governo. Pode ser estipulado, por exemplo, que famílias com mais crianças devem ter acesso a mais carne, e que famílias com menos devem receber apenas a metade da ração. E indivíduos solteiros ou mesmo casais sem filho não têm direito.
Neste cenário, obviamente, as fraudes se tornam crescentes. Indivíduos solteiros começam a apresentar certidões de nascimento falsas (para dar a impressão de que têm filhos). Indivíduos ricos passam a subornar burocratas do governo (que agora estão encarregados de supervisionar o racionamento nos supermercados). E as famílias realmente pobres e com muitos filhos acabam ficando sem nada (pois a carne acabou devido à fraudes dos outros grupos acima).
A expansão do totalitarismo
Faça o governo o que fizer, permanece indelével o fato de que, agora, a disponibilidade de carnes é muito menor do que a de antes.
Consequentemente, a população está ainda mais insatisfeita que estava antes do controle de preços.
O governo, já desesperado, pergunta aos produtores de carne (pois não tem imaginação suficiente para descobrir por si mesmo): “Por que não produzem a mesma quantidade que antes?”.
E obtém a resposta: “É impossível, uma vez que os custos de produção são superiores ao preço máximo fixado pelo governo”.
Ato contínuo, as autoridades se põem a estudar os custos dos vários fatores de produção. E então descobrem que um deles é a ração.
“Pois bem”, diz o governo, “o mesmo controle que impusemos à carne vamos aplicar agora à ração do gado. Determinaremos um preço máximo para ela e os pecuaristas poderão alimentar seu gado a preços mais baixos, com menor dispêndio. Com isso, tudo se resolverá: os produtores de carne terão condições de produzir em maior quantidade e venderão mais.”
O que acontece nesse caso? Repete-se, com a ração, a mesma história acontecida com a carne. E, como é fácil depreender, pelas mesmíssimas razões. A produção de ração diminui, o gado não mais engorda, toda a situação piora ainda mais, e as autoridades se veem novamente diante de um dilema.
Nessas circunstâncias, os burocratas se debruçam novamente sobre o problema, agora com o intuito de descobrir o que há de errado com a produção de ração. E recebem dos produtores de ração uma explicação idêntica à que lhes fora fornecida pelos produtores de carne.
Consequentemente, o governo se sente compelido a dar um outro passo, já que não quer abrir mão do princípio do controle de preços: determina preços máximos para os bens de capital necessários à produção de ração. Tratores, fertilizantes, colheitadeiras, milho, soja, farelo de trigo etc.: todos os preços passam a ser controlados pelo governo.
Ao mesmo tempo, ele decreta empréstimos a juros subsidiados (ou seja, bancos pelos impostos dos cidadãos) a estes setores. Tamanha injeção de crédito na economia irá apenas estimular a demanda das pessoas, sem qualquer efeito na oferta.
E a mesma história, mais uma vez, se desenrola.
Assim, o governo começa a controlar não mais apenas a carne, mas também o leite, o queijo, a soja, o milho, os fertilizantes, os tratores, as colheitadeiras e vários outros artigos essenciais. Simultaneamente, a demanda segue crescendo.
E, em todas as vezes, alcança o mesmo resultado. Em todos os setores, a consequência é sempre a mesma: a partir do momento em que fixa preços máximos para bens de consumo, vê-se obrigado a retroagir para os bens de produção, e a limitar os preços dos bens de produção necessários à fabricação daqueles bens de consumo com preços tabelados.
E assim, o governo, que começara com o controle de alguns poucos fatores, recua cada vez mais em direção à base do processo produtivo, fixando preços máximos para todas as modalidades de bens de produção, incluindo-se aí, evidentemente, o preço da mão-de-obra — pois, sem controle salarial, o “controle de custos” efetuado pelo governo seria um contra-senso.
O ápice do totalitarismo: uma economia controlada
Por fim, o governo não tem como limitar sua interferência no mercado apenas ao que ele acredita ser bens de primeira necessidade: carne, leite, manteiga, ovos e carne. Ele precisa necessariamente incluir os bens de luxo, pois, se não limitasse seus preços, o capital e a mão-de-obra abandonariam a produção dos artigos de primeira necessidade e recorreriam à produção dessas mercadorias que o governo reputa supérfluas.
No final, a interferência isolada no preço de um ou outro bem de consumo sempre gera efeitos — e é fundamental compreendê-los — ainda menos satisfatórios que as condições que prevaleciam anteriormente: antes da interferência, a carne estava caro; depois, tudo começou a sumir do mercado, inclusive os laticínios.
O governo considerava esses artigos tão importantes que interferiu; queria torná-los mais abundantes, ampliar sua oferta. O resultado foi o oposto: a interferência isolada deu origem a uma situação que — do ponto de vista do governo — é ainda mais indesejável que a anterior, que se pretendia alterar. E o governo acabará por chegar a um ponto em que todos os preços, salários, taxas de juro, em suma, tudo o que compõe o conjunto do sistema econômico, é determinado por ele.
E isso, obviamente, é o ápice do totalitarismo — ou seja, o socialismo.
___________________________________
Esse texto é uma ligeira adaptação do terceiro capítulo do livro As Seis Lições. No original, Mises se referia a um tabelamento do preço do leite. No artigo acima, o editor simplesmente alterou para ‘carne’, com o intuito de torná-lo mais adequado aos tempos atuais. Excetuando-se isso, todo o resto do texto foi mantido
Fonte: Instituto Mises Brasil
Telefone: +55 (11) 3704.3782
http://www.mises.org.br/