Pecuária brasileira produz carne que gera crédito de carbono a pasto
O crédito de carbono obtido com recuperação de pastagem e intensificação equivale ao crescimento de 6,27 árvores de eucalipto anualmente por garrote.
Um sistema de média lotação, de 3,3 unidades animais (UA) por hectare, em que se recuperou a pastagem degradada, foi capaz de neutralizar as emissões de gases de efeito estufa de bovinos e ainda gerar créditos de carbono correspondentes ao produzido por seis árvores de eucalipto. Uma unidade animal corresponde a 450 kg de peso vivo. Esse foi um dos quatro sistemas montados na Embrapa Pecuária Sudeste (SP) para mensurar o ônus e o bônus de carbono, indicando grau de sustentabilidade ambiental da atividade (veja quadro).
O estudo, feito em quatro níveis de intensificação de sistemas pastoris de produção pecuária, indica que a intensificação média apresentou a pegada de carbono mais baixa, com possíveis créditos de carbono. Os trabalhos foram desenvolvidos no bioma Mata Atlântica, um dos mais impactados pelas ações do homem sobre o ambiente, por se localizar em área com crescente crescimento urbano.
De acordo com a pesquisadora da Embrapa Patrícia Perondi Anchão Oliveira, a recuperação de pastagens e a intensificação da produção de bovinos nessas áreas melhoram o sequestro de carbono e mitigam as emissões de gases de efeito estufa, além de ter um efeito poupa-terra. “Também levam à redução na pegada de carbono por unidade de produto e no número de árvores necessárias para o abatimento das emissões de gases de efeito estufa. Os sistemas de produção intensificados com média lotação animal apresentaram os melhores resultados, especialmente se computados os insumos”, conta Oliveira. No caso citado pela pesquisadora, o crédito de carbono equivale ao crescimento de 6,27 árvores de eucalipto por garrote a cada ano.
O sistema com quadro mais preocupante é o de pastagens degradadas, cujo balanço resultou em saldo negativo. Em situações assim, chegam a ser necessárias 63,9 árvores para o abatimento das emissões de cada garrote mantido nessas áreas. Os resultados foram publicados na revista britânica Animal, da Universidade de Cambridge, Inglaterra. O trabalho é assinado por oito pesquisadores, cinco deles da Embrapa Pecuária Sudeste.
A cientista relata que a pesquisa teve por objetivo elucidar o problema da emissão de gases de efeito estufa pela pecuária, frequentemente considerada a grande vilã do aquecimento global e das consequentes mudanças climáticas. “A pecuária brasileira ainda é questionada em relação a sua participação na dinâmica de emissão de gases de efeito estufa (GEE)”, relata. Ela conta que os experimentos foram desenhados para cobrir as lacunas no conhecimento sobre a real contribuição dos sistemas de produção da pecuária brasileira para as emissões de GEE e para o aquecimento global.
Segundo a pesquisadora, foram desenvolvidos experimentos que permitem obter dados por métodos padronizados e reconhecidos pela comunidade científica internacional e que deram origem aos já famosos balanços de carbono. “Não foram levantadas somente as emissões de gases de efeito estufa, mas também as remoções desses gases. Isso criou condições para avaliar os sistemas de produção com capacidade de mitigar a emissão, especialmente do metano entérico, por meio do sequestro de carbono”, explica a pesquisadora.
Parceiros
A pesquisa foi desenvolvida com o apoio e a parceria do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), além de universidades e de outros centros de pesquisa da Embrapa.
“No caso da pecuária, foi possível compreender melhor os benefícios da parte do sequestro de carbono realizada pelo crescimento das plantas, seja pelo acúmulo no solo das pastagens ou no fuste [caule] das árvores, que estavam esquecidas nessa problemática ambiental”, completa. Apesar de os sistemas avaliados não possuírem árvores, as taxas anuais de remoções de GEE de árvores de eucalipto de um sistema silvipastoril com brachiaria, que faz parte de outro experimento, foram utilizadas para calcular o número hipotético de árvores necessárias para abater a emissão anual de cada sistema de produção.
No caso dos sistemas que estavam com créditos de carbono, devido ao sequestro do elemento no solo das pastagens, a mesma taxa foi usada para calcular o quanto esse crédito equivaleria em número de árvores hipoteticamente crescendo nos sistemas de produção.
O balanço de carbono é uma ferramenta que permite apontar tanto o potencial de neutralizar as emissões de gases de efeito estufa, quanto de prospectar sistemas de produção passíveis de receber créditos de carbono. Também é capaz de identificar os sistemas de produção que podem causar prejuízos ao meio ambiente do ponto de vista das mudanças climáticas, uma vez que identifica também aqueles que mais emitem do que sequestram carbono.
Oliveira conta que na pecuária tem sido comum registrar as emissões, mas o balanço entre o que a atividade emite e o que ela sequestra de carbono nem sempre é considerado. “Com a ferramenta do balanço, esse aporte de carbono é contabilizado e pode mostrar o diferencial da pecuária realizada a pasto, que além de manter o animal em seu habitat sem contenções, ainda traz o benefício do sequestro de carbono realizado pelo crescimento das pastagens”, afirma.
Conhecimento para uma pecuária de baixo carbono
Entre os impactos gerados pela descoberta está a possibilidade de adoção de sistemas de produção mais sustentáveis e de se obter produtos pecuários com baixa pegada de carbono. Essa “contabilidade do carbono” pode favorecer a exportação da carne brasileira, por exemplo, já que o mercado externo valoriza cada vez mais a produção sustentável.
O objetivo principal da pesquisa foi contribuir para a competitividade e sustentabilidade da pecuária brasileira por meio do planejamento, desenvolvimento e organização de dados que estimaram a participação dos sistemas de produção agropecuários na dinâmica de gases de efeito estufa em quatro níveis de intensificação (desde as pastagens degradadas até as pastagens altamente intensificadas e irrigadas), visando subsidiar políticas públicas e alternativas de mitigação.
O projeto também gerou informações que poderão ser usadas para o aprimoramento de normas e mecanismos de garantia da qualidade, da segurança e da rastreabilidade dos produtos pecuários. Esses resultados podem ser usados por formuladores de políticas públicas, empresas governamentais, empresas privadas e comunidade científica.
Por que as pastagens degradadas são um sério problema?
Se por um lado a pesquisa apontou que existem sistemas que podem gerar produtos pecuários com emissões neutralizadas ou com créditos de carbono, por outro também identificou as desvantagens de se manter as pastagens degradadas e a necessidade de recuperá-las.
“Elas apresentaram um balanço de carbono bem desfavorável, pois além das emissões dos animais também ocorreram emissões do solo, provenientes da decomposição e perda da matéria orgânica das áreas em processo de degradação”, detalha a pesquisadora.
Além do alto impacto ambiental, as pastagens degradadas apresentam baixa produtividade, o que aumenta a pegada de carbono por unidade de produto. Outro problema é o desperdício de terra, devido aos baixos índices zootécnicos obtidos (baixa lotação animal, baixa produção de peso vivo por hectare e baixo rendimento de carcaça), necessitando de mais área para a produção de carne e aumentando a pressão sobre os remanescentes florestais do bioma Mata Atlântica.
“A recuperação de pastagens, simultânea à intensificação da produção de gado bovino, melhorou o sequestro de carbono e reduziu as emissões de gases de efeito estufa, além de ter um efeito poupa-terra”, observa a pesquisadora.
Esses resultados embasam a produção de carne carbono neutro em sistemas de produção pastoris, em que não somente as emissões de GEE são contabilizadas, mas também há possibilidade de usar o sequestro de carbono no solo das áreas de pastagens.
Fique por dentro dos cálculos
A pesquisa avaliou cinco níveis de intensificação: pastagem degradada; pastagem recuperada com corretivos e fertilizantes e média lotação animal; pastagem intensificada com corretivos e fertilizantes e alta lotação animal; pastagem intensificada com corretivos, fertilizantes, irrigação e alta lotação animal; e a vegetação natural. A vegetação natural foi o controle positivo e a pastagem degradada foi o controle negativo.
Foi realizado o balanço de carbono entre as emissões de gases de efeito estufa – GEE (metano ruminal, metano do sistema solo-planta, óxido nitroso do sistema solo-planta) – e a remoção dos gases de efeito estufa (sequestro de carbono no solo).
Para o cálculo da pegada de carbono, além da emissão de GEE, foi contabilizada a emissão de GEE da fabricação dos fertilizantes, dos combustíveis fósseis das operações agrícolas realizadas e do uso de energia elétrica para irrigação, de acordo com cada nível de intensificação.
Também foi calculado o número de árvores necessárias para abater a emissão de GEE de cada garrote produzido nos diferentes sistemas de produção avaliados. De acordo com Patrícia Anchão, foi analisada ainda a taxa anual de sequestro de carbono de árvores de eucalipto e, com esse valor, foram calculadas quantas árvores precisariam ser plantadas e mantidas para cada animal existente nos sistemas de produção.
Resultados
O sistema degradado apresentou balanço de carbono negativo, a maior emissão de gases de efeito estufa por quilo de peso vivo produzido e a maior emissão de GEE por quilo de carcaça, necessitando de 63,9 árvores para o abatimento das emissões de cada garrote mantido em pastagens degradadas.
O sistema irrigado com alta lotação apresentou balanço de carbono negativo maior que o degradado, entretanto, como sua produção de peso vivo e seu rendimento de carcaça foram maiores, a emissão por quilo de peso vivo produzido foi diluída e menor que o sistema degradado.
Na prática, isso significa que esse sistema requer menor número de árvores para o abatimento das emissões (29,11 árvores/garrote). Mesmo computando todos os insumos utilizados, a emissão por quilo de carcaça foi menor para o sistema intensivo irrigado do que para o sistema degradado.
Já os sistemas de produção intensificados de sequeiro com média lotação animal em pastagens de brachiaria (uso de corretivos e fertilizantes, com dose de 200 kg N/ha/ano) e alta lotação animal em pastagens de Panicum maximum (uso de corretivos e fertilizantes, com dose de 400 kg N/ha/ano) apresentaram maior sequestro de carbono no solo em relação às emissões de GEE.
Consequentemente, o balanço de carbono foi positivo, o que representaria créditos de carbono equivalentes ao crescimento de 6,27 de eucalipto para cada garrote no sistema de sequeiro com média lotação, e 1,08 árvore para cada garrote no sistema de sequeiro com alta lotação. Quando computados os insumos, somente o sistema com média lotação permaneceu com créditos de carbono.
Fonte: Ana Maio (MTb 21.928/SP)
Embrapa Pecuária Sudeste