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Uma vacinação compulsória é incompatível com o mais básico conceito de liberdade

O estado não tem o direito de injetar forçosamente substâncias em seu corpo

Por: Robert P. Murphy

Direto ao ponto: vacinações obrigatórias são uma grave violação da mais básica liberdade individual.

Em alguns casos específicos de políticas governamentais — incluindo quarentenas obrigatórias, postos de controle em aeroportos e até mesmo invasão de e-mail por agências de segurança do governo –, ao menos ainda há uma alegação razoavelmente coerente de que se está fazendo um trade-off, uma concessão, entre liberdade individual e segurança pública

Porém, quando se trata de vacinações obrigatórias, há muito pouco espaço para um debate plausível.

Um programa governamental de vacinação obrigatória envolve uma explícita e suprema violação da liberdade: agentes do estado injetam substâncias no corpo de um indivíduo contra sua vontade. 

Simultaneamente, mesmo em princípio, as vacinações obrigatórias não oferecem muitos benefícios no aumento do bem-estar público em comparação a como seria em uma sociedade livre

E quando levamos em consideração preocupações realistas como a incompetência e a improbidade do governo, o argumento contra a vacinação obrigatória é avassalador.

Antes de apresentar meu argumento, explicarei em termos básicos como diferentes grupos tendem a tratar essa proposta, levando em conta as principais concepções de cada grupo quanto ao papel adequado do estado. Faço isso para mostrar que, mesmo que aceitemos como princípio as concepções mais inclusivas de liberdade, as vacinas obrigatórias ainda assim não são justificáveis.

Os três cenários possíveis

Primeiro, entre aqueles que seguem estritamente um princípio de não-agressão e uma sociedade sem estado, a vacinação obrigatória é, obviamente, inaceitável. Quer se identifiquem como “libertários”, “voluntaristas” ou “anarco-capitalistas”, este grupo obviamente nunca toleraria o estado forçar alguém a ser vacinado, pois a maioria acredita que o estado é ilegítimo.

Em segundo, para os minarquistas, o papel apropriado do estado é ser um “vigia noturno”, um governo mínimo que proteja apenas o indivíduo contra criminosos domésticos e ameaças estrangeiras. Em um arranjo minarquista, é legítimo para o estado apenas atuar contra alguém que está violando (ou ameaçando violar) os direitos de outro. O fato de uma pessoa não ser vacinada dificilmente representa, por si só, uma violação dos direitos de terceiros. Invertendo o argumento, pareceria estranho alguém dizer que você tem o direito de viver em uma sociedade na qual todas as outras pessoas já tomaram vacina contra o sarampo.

Terceiro, e mais interessante, vamos considerar uma noção mais ampla de liberdade, uma que equilibra, de um lado, a presunção da autonomia individual, e, de outro, o bem-estar público. 

Nesta abordagem, o estado pode restringir as liberdades dos indivíduos – mesmo quando eles ainda não prejudicaram ninguém –, desde que tais restrições não imponham grandes danos aos destinatários, e ainda possivelmente evitem uma grande quantidade de danos a todos. 

Esta é a única concepção de estado para a qual o debate sobre a vacinação obrigatória é possível.

Vamos ser benevolentes e pressupor essa definição mais ampla, sob a qual, por exemplo, até mesmo os autodenominados libertários não iriam se opor a penalidades rígidas ao ato de dirigir embriagado ou a proibições aos cidadãos de construir bombas atômicas em seus porões. 

Pergunta: como a vacinação obrigatória se sai neste arranjo, em que não estamos discutindo em termos de princípios qualitativos, mas sim realizando um teste quantitativo de custo-benefício?

Mesmo aqui, o argumento em prol das obrigatoriedade das vacinas é fraco. 

Mesmo pressupondo o melhor, a defesa da obrigatoriedade não se sustenta

Em primeiro lugar, o único cenário realista em que a questão seria relevante é um no qual a grande maioria do público pensa que seria uma boa ideia se todos fossem vacinados, mas uma pequena minoria (por qualquer motivo) discorda veementemente. 

Isso é óbvio: se o argumento médico em prol da vacinação compulsória fosse tão duvidoso ao ponto de, digamos, metade do público acreditasse não fazer sentido ministrá-la, então dificilmente haveria alguma pendenga. O governo simplesmente não teria como injetar uma substância em metade da população contra sua vontade. A vacinação nem seria discutida.

Sendo assim, vamos levar nossa análise para mais longe. Estamos agora lidando com um cenário em que a grande maioria do público pensa ser uma boa ideia que toda a população fosse vacinada. Nesse ambiente, se a vacinação for voluntária, podemos ter a certeza de que quase todos esses entusiastas seguirão em frente e se submeterão à vacina. Em outras palavras, com quase todo mundo vacinado, qualquer “carona” da parte dos não-vacinados só ocorreria na margem; se a maioria da população recebeu a vacina, então um eventual surto da doença em questão seria improvável, pois já há uma imunidade de rebanho.

Este é um ponto crucial e mostra por que o argumento em prol da vacinação obrigatória é muito mais fraco do que, por exemplo, o argumento em prol das restrições obrigatórias sobre as emissões de dióxido de carbono ou mesmo o argumento em prol do alistamento militar compulsório. 

Quando uma pessoa é vacinada, o principal beneficiário é ela própria. E esse benefício é tanto maior quanto menor for a taxa de vacinação na população em geral. Em outras palavras, entre uma população de pessoas que acreditam que uma vacina é eficaz, a análise de custo-benefício individual de tomar a vacina só irá gerar a tentação de não ser vacinado e se tornar um “carona” quando uma fração suficiente da população já tiver sido vacinada, o que garantiria a “imunidade de rebanho”. 

Ao contrário de outros exemplos de (supostamente) grandes conflitos entre benefícios individuais e públicos, com as vacinações não há a ameaça de um surto maciço em uma sociedade livre. Com as vacinas, temos o feliz resultado de que, quando alguém opta por ser vacinado, desde que a vacina seja eficaz, então essa pessoa está amplamente protegida das consequências das decisões dos outros em relação à vacinação.

Ou seja, se você quer ser vacinado, você está protegido, independentemente dos outros. Ponto.

No entanto, os defensores da vacinação obrigatória dizem que essa análise é muito superficial. Há pessoas que não podem se submeter a certas vacinas por causa de condições médicas, incluindo jovens (bebês) que ainda não têm idade suficiente para receber determinadas vacinas. É para proteger estes bolsões vulneráveis da população que alguns querem que o estado force a vacinação sobre aqueles que são muito ignorantes ou muito egoístas para reconhecerem seu dever de viver em comunidade.

Observe, porém, a ironia e quão fraco se tornou o argumento em prol da vacinação obrigatória. Não mais estão dizendo que as vacinas são “seguras” e que qualquer um que tema complicações médicas é um teórico da conspiração que confia em sites obscuros de internet em vez de pessoas em jalecos brancos. Pelo contrário, o próprio CDC americano alerta certos grupos a não tomarem vacinas populares por causa dos riscos à saúde. Isso não é mais uma questão de princípio – as pessoas do lado da ciência são pró-vacina, enquanto os malucos e ignorantes são anti-vacinas. Ao contrário: temos agora uma discordância sobre quais pessoas devem tomar a vacina e quais pessoas não devem tomá-la porque os perigos são muito grandes.

Em relação às crianças, o conflito social pode ser resolvido por meio da aplicação mais completa da questão dos direitos de propriedade privada. Se todas as escolas, hospitais e creches fossem operados de forma privada e tivessem o direito legal de excluir os clientes que desejassem, os proprietários poderiam decidir sobre as políticas de vacinação. Qualquer pai que ficasse horrorizado com a ideia do pequeno João brincar com uma criança não vacinada poderia escolher a escola de João de acordo com suas preferências. Mas ele não tem o direito de obrigar o pai de José, o coleguinha de João, a vaciná-lo.

Para concluir

Vimos que, mesmo pressupondo as melhores intenções e concedendo a maior das competências aos funcionários do governo, é difícil apresentar um argumento em prol da vacinação obrigatória. 

No entanto, o debate se torna ainda mais obtuso quando lembramos que ao longo da história, funcionários do governo tomaram decisões horríveis em nome do bem-estar público, seja por incompetência ou por segundas intenções. Já deveria ser óbvio e auto-evidente que nenhum defensor da liberdade pode apoiar a injeção de substâncias no corpo de uma pessoa inocente contra sua vontade.

Autor: Robert P. Murphy é Ph.D em economia pela New York Universityeconomista do Institute for Energy Research, um scholar adjunto do Mises Institute, membro docente da Mises University e autor do livro The Politically Incorrect Guide to Capitalism, além dos guias de estudo para as obras Ação Humana e Man, Economy, and State with Power and Market.  É também dono do blog Free Advice.

Artigo publicado no blog Mises Brasil

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