União dos setores e acesso à tecnologia: esse é o futuro para a pecuária na Amazônia Legal
Ampliação das tecnologias, monitoramento e investimentos foram alguns dos pontos abordados por especialistas durante webinar de aquecimento para a primeira edição do #DiálogosBoiNaLinha
Com o objetivo de ampliar o debate sobre a produção pecuária na Amazônia, com redução e eliminação do desmatamento na cadeia, o programa Boi na Linha e o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) realizaram, nesta quinta-feira (19), o webinar “Para onde vai a pecuária da Amazônia Legal?”. O evento on-line foi transmitido ao vivo nas redes sociais do Instituto e no seu canal do YouTube.
A pecuária exerce um papel essencial no desenvolvimento da economia brasileira, visto que o Brasil é o segundo maior produtor de carne bovina do mundo e o primeiro em número de exportações. Mas a produção de carne bovina nacional também tem enfrentado diversos desafios, principalmente na produção estabelecida na Amazônia Legal. Atualmente, a pecuária e o desmatamento associados à atividade estão no centro do debate sobre as consequências da emergência climática.
Moderado pela jornalista Cristiane Prizibisczki, o webinar contou com a participação do diretor de Sustentabilidade da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC), Fernando Sampaio; do procurador do Ministério Público Federal do Pará, Daniel Azeredo; e do secretário Adjunto da Secretaria de Meio Ambiente do estado do Pará (Semas-PA), Rodolpho Bastos.
Durante sua apresentação, Fernando Sampaio, da ABIEC, trouxe a visão da associação sobre os desafios da pecuária na Amazônia. “Historicamente, a pecuária é uma atividade pioneira de fronteira e ao longo dos anos ela foi crescendo no território brasileiro, o boi foi para o Oeste e mais tarde para o Norte do País, e a indústria seguiu essa tendência. Hoje temos um parque industrial instalado em toda a região, desde o Acre, Norte do Mato Grosso até o Sul do Pará, e existe pecuária sendo feita em diversos municípios, exatamente por isso essa é a região onde o setor mais cresceu nas últimas décadas em termos de rebanho”.
Para Sampaio, agora o momento é de pensar o futuro da atividade na região e o primeiro passo é entender que este desafio não pode ser resolvido sozinho, por nichos, mas sim por meio de colaboração entre os setores privado e público e a sociedade civil, para enfrentar os desafios da construção de um futuro sustentável da pecuária.
A pecuária está se intensificando e cada vez mais tecnologias estão sendo incorporadas pelos produtores. “Com isso, ficamos mais eficientes em termos de produtividade e em diminuir a área ocupada com pecuária. É possível notar que antigas áreas de pastagem estão sendo substituídas por agricultura, e mesmo assim continuamos crescendo em produção”, complementou o diretor da ABIEC.
Porém, ainda existe um gap na pirâmide de produção, em que na ponta alguns produtores são muito eficientes, hábeis com tecnologia e estão sendo cada vez melhores no uso da terra, realizando uma pecuária que produz mais com menor impacto ambiental, seja por técnicas de agricultura de baixo carbono, recuperação de pastagem ou Integração Lavoura-Pecuária (ILP). Por outro lado, na base dessa pirâmide, existe a produção ineficiente, composta por produtores sem acesso a investimento ou assistência técnica.
Outro desafio é a invasão de terras públicas também para boi a pasto. “Ou seja, a pecuária continua com essa forma de ocupar território. E isso é um problema para todo mundo, porque a indústria não quer e não precisa desse boi que está entrando em terra pública”, complementou Sampaio.
Desafios e oportunidades
Daniel Azeredo trouxe para o debate as ações do MPF para cobrar que a produção na Amazônia seja feita de forma mais sustentável. “O trabalho do Ministério começou em 2009. Na época, o desmatamento ilegal na Amazônia era extremamente alto, variava entre 12 e 17 mil quilômetros quadrados por ano. E, com base em nossos estudos, as causas e origem desse desmatamento ilegal era a pecuária. Inclusive, estudos oficiais do próprio Ministério da Agricultura, mostravam que cerca de 80% do desmatamento ilegal da Amazônia, no final, virava pasto”.
Ou seja, a área de floresta era trocada para a produção de gado com uma produtividade baixa. Ainda, segundo Azeredo, a média de produção da Amazônia permanece pequena, sendo menor que um animal por hectare, ou menos de um animal para cada campo de floresta que é derrubada.
“O fato é que evoluímos bastante de 2009 para cá. O primeiro resultado desse processo evolutivo foi uma uniformidade de discurso. Há uma sintonia muito clara de ideias entre o MPF, a ABIEC, a indústria, os representantes, o mercado, o Ministério da Agricultura e o Governo Federal que abrange também o mercado internacional, na qual não é mais admissível que se tenha uma cadeia produtiva de gado proveniente da grilagem de terra, invasão de território de povos originários e de desmatamento ilegal que, infelizmente, ainda ocorre em 2023”, pontuou o procurador.
O Pará registra o segundo maior rebanho do País e tem se colocado na dianteira na implantação de medidas para aumentar a eficiência da pecuária no Estado. Rodolpho Bastos, do Semas-PA, chamou a atenção para a assimetria de informações e acessibilidade hoje do Sistema de Cadastro Ambiental Rural – SICAR/PA. Em 2019 havia pouco mais de 200 mil cadastros ambientais na base do SICAR-PR, mas cerca de 1% apenas tinham sido analisados. O Estado tem hoje mais de 150 mil análises de CAR.
“Quando falo em assimetria estou pensando no pequeno produtor, hoje o cadastro ambiental depende de um sistema tecnológico, não apenas isso, ele depende de tecnologia para acessar esse sistema. Ou seja, você tem internet, computador, insumos de análise cartográfica, entre outros, mas é evidente que na realidade da Amazônia vários pequenos produtores não possuem acesso ao sistema”, detalhou Bastos.
De acordo com o secretário adjunto, o Pará conta com propriedades de diferentes tamanhos, mas somente 10% com acesso a computador e internet. Segundo ele, isso é nítido quando se visita o interior do estado, os produtores e população em geral sequer têm um e-mail ou conexão com internet.
“Há uma forte necessidade de apoio técnico, seja por órgãos estaduais de ciência técnica ou iniciativas da própria cadeia pecuária, como os Escritórios Verdes (iniciativa da JBS) que têm sido muito benéficos para o processo de regularização, mas que também precisam receber fomentos. São ações como essa que podem deixar o cenário mais nivelado”, pontuou Bastos.
Primeira edição do “Diálogos Boi na Linha” debate os desafios e avanços da pecuária brasileira na Amazônia Legal
Visando debater os desafios e demandas da cadeia da carne e do couro bovinos na Amazônia Legal, o Imaflora promove, no dia 16 de novembro, a primeira edição do Diálogos Boi Na Linha. O evento, que leva o mesmo nome do programa voltado à promoção da legalidade e da responsabilidade socioambiental na pecuária, é gratuito e será realizado no Carajás Centro de Convenções, em Marabá (PA).
Este primeiro encontro reunirá protagonistas da pecuária do Brasil, em especial do Pará e demais estados da Amazônia Legal. Serão representantes do governo, sociedade civil, frigoríficos e pecuaristas em diálogos sobre temas como reinserção do produtor, pecuária sustentável, monitoramento de fornecedores indiretos, rastreabilidade, transparência e, por fim, os avanços na maturidade da cadeia.
“Nosso objetivo com os Diálogos Boi na Linha está alinhado à própria missão do programa: apoiar o desenvolvimento da cadeia, mas buscando garantir que isso ocorra em sintonia com a legalidade, a transparência e a responsabilidade socioambiental. Vamos reunir diferentes atores para debater os desafios, mas também para que eles apresentem o que têm feito de concreto para promover mudanças tão necessárias para o setor”, afirmou o coordenador de projetos do Imaflora, Lisandro Inakake.
Ainda, segundo Inakake, a proposta do Diálogos Boi na Linha é criar um espaço qualificado de debates, no qual os setores produtivo, privado e público, juntamente com a sociedade civil, reconheçam os desafios e identifiquem oportunidades. “Atuando para gerar impacto na cadeia e criar um ambiente equilibrado na Amazônia, porque a pecuária está na Amazônia, ela não saiu do bioma, precisamos qualificar essa pecuária para que ela se integre às ações da nova bioeconomia”, finalizou.
As inscrições para o evento podem ser feitas pelo site https://dialogosboinalinha.boinalinha.org/
O webinar “Para onde vai a pecuária da Amazônia Legal?” está disponível na página do Imaflora Brasil no YouTube, acesse: https://bit.ly/WebinarDialogosBnL2023
Sobre o Boi na Linha
Lançado em 2019 pelo Imaflora em parceria com o Ministério Público Federal (MPF), o Boi na Linha articula os elos da cadeia produtiva da carne na Amazônia Legal, interligando produtores, frigoríficos, curtumes e varejistas. O objetivo do programa é garantir a implementação dos compromissos socioambientais assumidos pelos signatários dos TACs.
A plataforma online disponibiliza dados, ferramentas e informações sobre o setor de forma totalmente aberta e transparente para a promoção de uma cadeia livre de irregularidades socioambientais.
Além da parceria com o MPF, a iniciativa conta também com o apoio da ABIEC e financiamento da União Europeia e demais organizações: Moore Foundation, NWF, P4F, iCS e Great for Partnerships do Reino Unido.
Mais informações: https://www.boinalinha.org/
Sobre o Imaflora
O Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola – Imaflora – é uma associação civil sem fins lucrativos, criada em 1995, que nasceu sob a premissa de que a melhor forma de conservar as florestas tropicais é dar a elas uma destinação econômica, associada a boas práticas de manejo e a uma gestão responsável dos recursos naturais. O Imaflora acredita que a certificação socioambiental é uma das ferramentas que respondem à parte desse desafio, com forte poder indutor do desenvolvimento local, sustentável, nos setores florestal e agrícola. Dessa maneira, o Instituto busca influenciar as cadeias produtivas dos produtos de origem florestal e agrícola; colaborar para a elaboração e implementação de políticas de interesse público e, finalmente, fazer, de fato, a diferença nas regiões em que atua, criando ali modelos de uso da terra e de desenvolvimento sustentável que possam ser reproduzidos em outros municípios, regiões ou biomas do País.
Mais informações: https://www.imaflora.org/